Difícil falar sobre preconceito com um olhar puro, já que preconceito
significa conceito pré-concebido e pré-conceber é atividade essencial
para nos manter vivo. Tem a ver com preservação de espécie, com defesa,
com categorização.
Porém, quando o preconceito começa a se tornar perigoso? Na minha
opinião, é quando começamos a conviver abertamente, conscientemente com
ele e a aceitá-lo como fator discriminador. Há algum tempo eu achava que
o machismo, o racismo e a homofobia, por serem mais “conhecidos”, ou
seja, estarem mais presentes no senso comum, estavam mesmo caminhando
pra erradicação no futuro. Mas mudei de opinião, acho que estamos
caminhando para a aceitação da discriminação.
Quando ouço alguém falar “não sou homofóbico, até tenho um amigo gay”,
na hora me vem à mente alguns filmes pós-apartheid, onde os brancos que
na época queriam ser politicamente corretos contratavam os negros, mas
não os deixavam comer nas suas louças, usarem seus banheiros,
conversarem na sua frente. Precisavam conviver, mas não queriam.
As mesmas pessoas que dizem ter amigos gays fogem dos locais onde
existem gays. Fazem piadas diariamente sobre a orientação sexual deles.
No fundo, não querem estar perto: o que os amigos vão pensar? Pior ainda
são as pessoas que falam em “surto gay” como “moda”. Como se a maioria
decidisse enfrentar a sociedade e sua família, correr o risco de apanhar
e de ser motivo de piada na rua, só por modismo. Quando comparo a
discriminação aos negros daquela época com os gays de hoje, algumas
vezes ouço: “é diferente, me mantenho longe de gays porque não quero ser
abordado por eles”. Digo: “você convive com mulheres, quantas te
abordam diariamente querendo sexo? E se abordassem e você não quisesse,
você somente recusaria, certo? O problema é realmente este?”
Acho improvável que a homofobia diminua enquanto ainda acharmos que
pobre é melhor/pior que rico, que mulher é pior/melhor que homem, que
negro é pior/melhor que branco, que nordestino é melhor/pior que
paulista. E principalmente, enquanto continuarmos generalizando TUDO.
Sim, existem categorias de pessoas com variáveis em comum, as quais
criamos para pertencer, para nos sentirmos parte de algo. Mas existem
pessoas, com seus sentimentos únicos, reações peculiares, pensamentos
indescritíveis dentro destas categorias. Estamos aos poucos nos
esquecendo disto!
O pior de tudo é a falta de questionamento, de pensamento crítico, não
contra as pessoas e sim contra o sistema que nos rodeia, aquele que
possibilita esse nosso moderno apartheid. Estamos imbecilizados, estamos
nos separando quando deveríamos estar nos juntando contra coisas que
realmente são ruins: a corrupção, a mentira, a banalização da violência,
o caos moderno.
A segregação barulhenta ainda é menos pior do que a silenciosa, aquela
que não percebemos e que, com o passar dos anos, se instala,
apoiada/criada muitas vezes pela mídia. Alguém aí tem um amigo ou amiga
obesa? Sabe o quanto de discriminação ela sofre? E ainda é apontado como
culpada pelas suas mazelas, porque “quem come o que quer tem que
agüentar as conseqüências”, já disse alguém.
Sou mulher, sou 100% a favor do amor entre quaisquer gêneros, não acho
que a diferença está nas raças, na orientação ou na religião, está no
subjetivo. Todos somos únicos. Todos temos um pouco de negro, de
europeu, de gay (simmm), de rico, de nordestino, de gordo, do que for.
Vamos começar a aceitar?